O vento corta o corpo
Feito navalhas
A fome grita alto
Suplicando por migalhas
O frio impiedoso
Que perfura até osso
Mais gelado, mais cruel que o
Coração de um poderoso
Pés descalços, calejados
Encardidos e cansados
Coração agasalhado
Com um litro destilado
Deste lado da calçada
Solidão, esgoto aberto
Um sem lar é só miragem
Em olhares de deserto
Olhares que desviam
Com receio de ver
O contraste de um corpo
Com palavra personalité
O resto de esperança
Num cachimbo improvisado
Agora está aquecido
E também alucinado
Faz 7 graus
Por onde a morte passeia
Tipo um carcereiro
À beira da fogueira
A dança que o fogo faz
Da conforto e traz paz
Nessa prisão sem grades
Que é pior que alcatraz
Cidade da garoa
Onde a vida é tão bela
Avenidas são castelos
Becos são celas
Lixo e ser humano
Dividem o mesmo chão
O mesmo alimento
E a mesmo ocupação
Ocupação envernizada
Com valores morais
No fim do mês é
Mais ou menos 400 reais
Máscaras caem
É difícil manter a lábia
É difícil manter a farsa
Edifício que desaba
Pobre moribundo
É só uma peça do jogo
Viu sua casa de papel
Consumida pelo fogo
Lágrimas, fumaça
Cinzas pela praça
Tudo tem seu preço
O sofrimento é de graça
Agradece o lá de cima
Pela vida, mãos pro alto
Mas infelizmente, hoje
A cama é de asfalto
Não tem escolha
A rua é o único abrigo
Ao lado dos destroços
Que mataram alguns amigos
A janta dessa noite
Veio no capricho
Sirva se à vontade
Do que sobrou do lixo
Meia noite em ponto
Toca o sino da igreja
A pedra tá no ponto
Na latinha de cerveja
Um trago e desperta
A Insônia Induzida
Que cuida da sua noite
Em troca da sua vida
Alumínio se mistura
Com a pedra de farinha
Euforia! Euforia!
Depressão e frio na espinha
Por 15 minutos
Se torna invencível
O dono do mundo
O homem não invisível
É irreversível, quando
Chega a esse nível
O vício é cabuloso
E a vida é terrível
Aqueles que ajudam
Com diploma e ideais
Infelizmente dessa vez
Chegaram tarde demais
Hipotermia
Era o que temia
Morreu no chão gelado
Da cidade da alma fria